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Relatório Público realizado em comunidade terapêutica voltada para “tratamento” de adolescentes identifica situação de privação de liberdade, diversas violações de direitos e práticas de tortura física e psicológica

Em 2017, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT),  Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC) e demais órgãos públicos, organizações da sociedade civil e movimentos sociais inspecionaram 28 comunidades terapêuticas em 11 estados, além do Distrito Federal, identificando diversas irregularidades e violações de direitos, em especial na  comunidade terapêutica “Centro de Recuperação Álcool e Drogas “Desafio Jovem Maanaim” – Projeto Vida Movimento para Recuperação Humana, a qual, há época institucionalizava crianças e adolescentes em condições que desrespeitavam as normativas legais brasileiras que regem a defesa da criança e do adolescente, a citar: o uso de trabalho forçado dos internos, internação de adolescentes e crianças, aplicação de castigos e obrigação da frequência em cultos religiosos. Após esta inspeção nacional, foi instaurado um inquérito civil contra a entidade, tendo como autor o próprio Ministério Público Federal (MPF).

Objetivando o levantamento de informações atualizadas e relevantes para a avaliação do MPF, acerca do objeto de investigação neste procedimento, no dia 02 de outubro do ano corrente, foi realizada nova inspeção durante diligência de instrução na comunidade terapêutica Centro de Recuperação Álcool e Drogas “Desafio Jovem Maanaim”- Projeto Vida Movimento para Recuperação Humana, por representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos (FMDDH), Conselho Regional de Psicologia (CRP/MG), Instituto DH: pesquisa, promoção e intervenção em direitos humanos e cidadania, Fórum Mineiro de Saúde Mental (FMSM) e Diretoria de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (DSMAD/SES-MG). Sendo toda a ação acompanhada de forma remota pelo MPF, através do Gabinete do Procurador da PRM/POUSO ALEGRE/MG. 

Ao final da inspeção foi produzido uma Relatório técnico detalhado enviado com caráter emergencial e sigiloso às autoridades competentes do sistema de justiça. Agora é publicado e divulgado um Relatório público com as principais situações de violação de direitos contra adolescentes constatadas, que pode ser acessado aqui.

Dessas situações destacamos as seguintes violações e práticas de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes:

  • Internação arbitrária de adolescentes com indícios de transtorno mental, e comorbidades clínicas;
  • Insegurança alimentar;
  • Risco iminente de contágio por COVID-19;
  • Afronta direta ao ECA ao serem mantidos no mesmo espaço institucional adolescentes e adultos em situação de privação de liberdade devido uso prejudicial de álcool e outras drogas;
  • Submissão de contenção mecânica sem prescrição médica;
  • Administração de medicação à força, nos adolescentes;
  • Violência física e psicológica, praticada por monitores e trabalhadores da comunidade terapêutica contra os adolescentes, em nome de contenção, disciplinamento, e resgate nos casos de fuga.
  • Privação de convivência familiar e falta de privacidade nos contatos telefônicos com familiares;  
  • Punições  e castigos por descumprimento de regras (adolescentes são trancados nos quartos, ficam sem o colchão e são obrigados a dormir no chão, são privados de atividades esportivas, privados de assistir televisão);
  • Imposição de credos e práticas religiosas indicadas pela instituição. As demais religiões não podem ser manifestadas pelos adolescentes;
  • Trabalho obrigatório sem EPIs e manuseio, por parte dos adolescentes internos, de ferramentas de trabalho (machado, vassouras, talheres e arma branca) sem o devido monitoramento;
  • Confirmação de ocorrência de um homicídio dentro da comunidade terapêutica, no dia 7 de agosto de 2020, envolvendo dois adolescentes durante a prática de trabalho forçado com ferramenta perfuro cortante, no chiqueiro da entidade, sem monitoramento ou acompanhamento de profissionais ou adultos;
  • Registros de assédio e abuso sexual entre os próprios adolescentes privados de liberdade, sem o devido acolhimento e profilaxia necessária para o não contágio de ISTs;
  • Indício de assédio e abuso sexual entre adolescentes e adultos no interior da comunidade terapêutica;
  • Vários relatos de “fugas” e “tentativas de fuga”, o que reforça que os adolescentes ficam internados na comunidade terapêutica sem o direito de ir e vir preservado;
  • Indícios de cárcere privado seguido de extorsão.

Fonte: Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura