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10 anos de Instituto DH: fundadores falam sobre a criação, dificuldades do contexto político, projetos atuais e futuros

Por Alessandra Dantas

A necessidade de formalizar e articular uma rede de atuação em direitos humanos levou  seis profissionais de diferentes áreas do conhecimento a criarem uma organização sem fins lucrativos que pudesse executar a formação, pesquisa e promoção em direitos humanos. Para isso, em 2005, os espaços públicos da capital mineira eram os locais das discussões dessa turma que buscava formas de tirar a proposta do papel. Dois anos depois, em 2007, o Instituto Direitos Humanos: Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania foi criado como uma ONG. O primeiro espaço formal que serviu como sede foi uma sala no bairro Santa Efigênia, região Centro-Sul da capital mineira. “Era um sonho de antigos militantes históricos daqui de Belo Horizonte. Nós já atuávamos nessa área e começamos a nos reunir pensando em como concretizar a ideia. Nos encontrávamos espontaneamente, mas de uma forma bem sistemática”, lembra Maria Emília da Silva, sócia-fundadora do Instituto DH e coordenadora do PPDDH, Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, em Minas Gerais. Em meados dos anos 2000, a capital apresentava um campo de prática em direitos humanos, porém, segundo um dos idealizadores e atual presidente do Instituto DH, professor João Batista Moreira Pinto, havia uma fragilidade nos grupos. “A gente recebia muitas pessoas que eram militantes de direitos humanos, de grupos e de comunidades que tinham uma atuação, mas não tinham formalização e estrutura quase nenhuma. O nosso objetivo foi fortalecer e articular a rede de direitos humanos”, afirma Batista.

Fortalecimento da rede de atuação em direitos humanos

Nos anos 1980, ainda sob a ditadura militar, havia muita violação de direitos humanos, principalmente por meio da tortura. Nesse período, ocupando o cargo de  assessor da Comissão de Direitos Humanos da Arquidiocese de Belo Horizonte, João Batista atendia mães que tinham filhos torturados. “A grande maioria das pessoas não conseguia levar as denúncias adiante porque a pressão da polícia era muito grande. Algumas mães conseguiram levar  até o fim, mas com muita dificuldade”.  Naquela década, vários grupos em prol dos direitos humanos se mobilizaram, tendo se fortalecido ao longo dos anos 1990 e 2000. O cenário político de então era favorável aos avanços sociais. Quem estava à frente do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre 2004 e 2010 era Patrus Ananias, que já tinha sido prefeito de Belo Horizonte (1993-1996).

“Havia alguns avanços na prática em direitos humanos em Belo Horizonte e no interior do estado. Nesse contexto, a criação do Instituto DH implicava viabilizar a formação em direitos humanos, que é uma realidade para vários grupos, tanto para aqueles que já atuam na promoção desses direitos, quanto para outros setores que não conhecem muito os direitos humanos. Havia nessa perspectiva de formação e educação um desejo de atuar com vários públicos, o que levaria o Instituto a diferentes projetos”, pontua o professor João Batista.

“Era uma conjuntura mais favorável, embora a gente tenha várias questões para serem discutidas sobre a atuação do governo Lula, mas tinha um espaço que a gente ocupava enquanto organizações não governamentais de direitos humanos. Hoje, a gente sobrevive com muita carga porque os direitos humanos foram relegados. Naquela época, contávamos com conferências estaduais e nacionais sobre o tema. Isso era um reforço para as ONGs e reverberava no Instituto”, explica a sócia-fundadora Maria Emília da Silva.

“São os desafios que mais transformam a gente. Eu tenho dentro de mim um ideal de trabalho em direitos humanos marcado por uma resistência pacífica”, se define a advogada e militante em direitos humanos Maria Emília da Silva. Foto: Alessandra Dantas

Visão sobre direitos humanos e o atual cenário político

O estigma é um obstáculo à defesa dos direitos humanos. De acordo com Maria Emília sempre houve a ideia equivocada de que os o direitos humanos “protegem” bandidos. Segundo ela, a diferença é que, atualmente, esse tipo de visão se espalhou para uma parte maior da sociedade e o estigma é mais intenso sobre as ONGs e os militantes.

No atual cenário político, o militar Jair Bolsonaro lidera as intenções de voto para a Presidência da República, tendo propostas para a segurança pública como a redução da maioridade penal, o fim da progressão de pena e das saídas temporárias, reformulação do estatuto do desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa e o redirecionamento da política de direitos humanos, priorizando a defesa das vítimas da violência. Diante disso, Maria Emília acredita que é preciso fortalecer a atuação dos direitos humanos.“É neste momento de dificuldade, de obscuridade, de anonimato das organizações que a gente precisa marcar um lugar e fazer a história neste período”.

João Batista aponta que a valorização dos direitos humanos é uma questão política, sobretudo porque temos no Brasil uma desigualdade imensa. “Há uma parcela da sociedade que não tem interesse que isso mude, inclusive políticos. Quando o Bolsonaro, por exemplo, fala que não vai apoiar entidades de direitos humanos, isso é muito significativo. O Estado não teria condições de minimizar a realidade de sofrimento e de desigualdade se não fossem as ONGs que atuam com direitos humanos. E olha que é com muito esforço que as entidades fazem isso.”, pontua Batista.

Ainda segundo o professor, é preciso considerar quais políticos defendem propostas adequadas à compreensão de superação das desigualdades, de maior acesso à educação e saúde. “ É completamente irreal pensar essa perspectiva de um estado mínimo, sendo que o Brasil apresenta uma realidade complexa. A questão da política interfere diretamente na forma de pensar os direitos humanos. A vinculação do Estado com as organizações civis é muito importante. Claro que é importante ter critérios, mas como fortalecer essa relação para viabilizar uma melhor atuação do Estado e da sociedade civil em prol dos direitos humanos?”, elabora.

A coordenadora do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos espera que o próximo presidente valorize a temática, mas avalia que alternativas serão necessárias, se o ambiente for hostil. “As necessidades são muitas e, em Minas Gerais, a gente nota uma carência muito grande do social, do atendimento, muitas violações de direitos humanos. Caso o cenário seja desfavorável,  eu penso que nunca vamos ficar sem nenhuma parceria. Alguma há de surgir e temos que ver como atuar dentro disso. A única alternativa é nos adaptarmos ao espaço que teremos, então, temos que entrar neste espaço e atuar. E que não seja essa forma obscura que a gente vê tão anunciada na campanha política deste ano”.

“Temos que avançar muito na perspectiva política dos direitos humanos”, defende o presidente do Instituto DH, professor João Batista Moreira Pinto. Foto: Alessandra Dantas

Fazendo acontecer a formação, a pesquisa e a promoção em direitos humanos

A primeira proposta e trabalho de pesquisa do Instituto DH ocorreu em 2008 e 2009 com a elaboração do Índice de Direitos Humanos, no estado de Minas Gerais. A pesquisa foi realizada por meio do governo estadual. O estudo permitiu mapeamento e análise de municípios de Minas no contexto dos direitos humanos, apresentando os locais com melhor e pior nível, considerando diversos aspectos, como situação de crianças e adolescentes, questão de gênero, de violência e social. “Essas realidades foram pensadas em índices, ou seja, a partir de dados objetivos. A partir daí, vários gestores conversaram conosco sobre isso. Eles recebiam demandas de vários municípios e não tinham como priorizar, mas, a partir daquele documento, era possível perceber que um precisava mais que outro. Infelizmente o Índice foi pouco utilizado e divulgado. Deveria ter sido mais. E seria possível atualizá-lo de tempos em tempos”, lamenta o professor João Batista.

Desde 2010, o Instituto DH executa o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. A iniciativa tem 67 defensoras e defensores incluídos. Com atuação em todo estado, abrangendo cidades como Rio Pardo de Minas, Pedras de Maria da Cruz e Salto da Divisa, a promoção dos direitos humanos se concretiza por meio da  articulação feita pelo órgão. “Quando a gente vai lá e atua enquanto programa de proteção para dar um respaldo para um defensor, eles consideram o instituto o ‘pessoal dos Direitos Humanos’. Eu acho até interessante esse apelido que os defensores dão ao Instituto porque essa articulação que fazemos é muito importante. Os defensores reconhecem a atuação do Instituto em prol deles”, explica Maria Emília.

Outra iniciativa do IDH é o projeto de desencarceramento de presos provisórios em Minas Gerais. O projeto tem apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e prioriza a assessoria técnica e jurídica de homens e mulheres presos temporariamente e seus familiares e alerta sobre a necessidade de políticas públicas de direitos humanos para a população carcerária. “Buscamos a promoção dos direitos dos que estão encarcerados e das família dos que estão encarcerados para que  essas pessoas possam se assumir como sujeitos de uma nova história, de um novo tempo”, detalha a sócia-fundadora do Instituto de Direitos Humanos Maria Emília.

Especificamente sobre segurança pública e violência, o Instituto DH tem atuado em parceria com o LabTrab, Laboratório de Estudo sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em um projeto sobre desencarceramento na perspectiva das mulheres. “Priorizamos uma atuação que questiona a perspectiva de encarceramento, pensando nos familiares e nos egressos desse sistema e discutindo isso com o poder público para buscar outras alternativas que não seriam a punição, mas outras formas de intervenção mais preventiva”, defende o professor Batista.

A formação em educação em direitos humanos ganha destaque no curso de Pós- Graduação em Direitos Humanos e Cidadania promovido pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) em parceria com o Instituto DH: Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania. Há sete anos a especialização é ofertada. “Tem sido um espaço de muita contribuição para a atuação mais qualificada em direitos humanos.  A gente faz isso com um esforço muito grande porque contamos com a contribuição dos professores aceitando receber um valor um pouco menor para que a gente consiga distribuir bolsas para os estudantes. As pessoas que atuam em direitos humanos acabam não tendo um salário muito bom nem muito reconhecimento, então oferecer esse espaço de reflexão é muito importante”, afirma Batista.

Aproximação com pessoas que se interessam por Direitos Humanos

Com o intuito de conseguir outras formas de financiamento de projetos, o Instituto DH lançou a plataforma Associados pelos Direitos Humanos. Esse programa busca o apoio de pessoas que têm interesse em fortalecer os direitos humanos, mas, muitas vezes, não sabem como. A iniciativa é um espaço para as pessoas que queiram conhecer os projetos da instituição. A ONG apresenta muitos projetos que ainda não foram viabilizados ou que foram impedidos devido à falta de recursos do governo federal ou estadual. Logo, por meio dos Associados pelos Direitos Humanos busca-se obter apoio financeiro de pessoas físicas e empresas que se interessem pelas questões dos direitos humanos. ”Esse programa dos associados vai abrir para que os próprios doadores comecem a participar da definição de quais programas eles gostariam de ver fortalecidos e em quais temáticas. A gente se compromete a destinar pelo menos 50% do recursos doados para financiar outros projetos, abrindo outros editais, além dos já existentes no Instituto”, planeja o professor João Batista.

Materialização das pesquisas

Um dos principais desafios do Instituto DH desde a sua criação é o fortalecimento da rede de atuação em direitos humanos. Uma das medidas para intensificar a divulgação de produções no campo de direitos humanos e, assim, fortalecer a articulação dos que se dedicam a esses direitos foi a criação de uma editora em comemoração aos dez anos do Instituto DH, completados em 2017. Serão lançados dois livros. Uma das obras está ligada à perspectiva de atuação no campo da saúde mental e tem como título Attaversiamo: Saberes e Experiências sobre o Trabalho em Saúde Mental, de Daniela Tonizza de Almeida e Maria Tereza Granha Nogueira . A outra obra que também será lançada é Os Direitos Humanos como Projeto de Sociedade: Caracterização e Desafios, organizado pelo professor João Batista Moreira Pinto. “Quando falamos em direitos humanos como projeto de sociedade é importante ressaltar essa perspectiva política dos direitos humanos. Eu acho que isso tem sido pouco trabalhado, mas temos feito discussões com alguns grupos e entidades de direitos humanos e acho que eles têm se interessado bastante nisso. Temos que avançar muito nessa perspectiva política dos direitos humanos”.

Serviço:

O que? Lançamento das obras  Attaversiamo: Saberes e Experiências sobre o Trabalho em Saúde Mental, das autoras Daniela Tonizza de Almeida e Maria Tereza Granha Nogueira e Os Direitos Humanos como Projeto de Sociedade: Caracterização e Desafios, organizado por João Batista Moreira Pinto.

Quando? 28  de setembro

Horário: 18h

Local: Instituto DH localizado na Rua Alexandre Barbosa, 29, bairro São José – Pampulha