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Maria Emília da Silva é homenageada na VI edição da premiação Maria do Espírito Santo Silva

Maria Emília da Silva, co-fundadora do Instituto DH e coordenadora do Programa de Proteção aos(às) Defensores/as de Direitos Humanos de MG / Foto: Daniela Fichino/Justiça Global

É graças à determinação e à luta de pessoas e coletivos engajados em proteger e realizar os direitos humanos e as liberdades fundamentais que podemos avançar na promoção de ampla dignidade a todas e todos e no fortalecimento da democracia, do Estado de Direito, do sistema de justiça, da promoção da diversidade e do combate à pobreza e, enfim, da cultura de direitos. Esse papel foi reconhecido por todos os Estados membros das Nações Unidas, inclusive o Brasil, como direito legítimo em 1988 ao adotar por consenso a Declaração da ONU sobre Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.

Mas o histórico de violações e ameaças nos territórios brasileiros mostram o tamanho do desafio no país. A atuação legítima de defensores e defensoras de direitos humanos ainda é confrontada com ameaças, intimidação e violência. Em 2021, Mary Lawlor apontou que 1.323 defensores e defensoras de direitos humanos foram assassinados em todo o mundo entre 2015 e 2019. Desses, 166 eram mulheres e 174 eram brasileiras e brasileiros. Isso faz do Brasil o segundo país em que mais foram assassinados defensores e defensoras de direitos humanos, atrás apenas da Colômbia, com 397 casos.

As violações de direitos humanos tomam diferentes contornos conforme a luta empreendida pelas mulheres defensoras. Nota-se o recrudescimento no grau de violação ao considerarmos as categorias gênero, raça, classe e o grau de instrução das mulheres na luta. Violências que se revelam por meio de ataques morais e físicos, racismo, silenciamentos, violência sexual, deslegitimação de seu papel político, inferiorização, não reconhecimento de direitos, como os sexuais e reprodutivos, identidade de gênero e orientação sexual, entre outroas. Situações essas que levam com frequência ao adoecimento físico e psíquico.

Homenageadas da VI Maria do Espiríto Santo Silva, no Rio de Janeiro / Foto: Daniela Fichino/ Justiça Global

Na sexta edição, foram homenageadas Alessandra Munduruku, uma das principais lideranças femininas indígenas no Brasil; Guacira Oliveira, feminista e fundadora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA); Keila Simpson, Presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA); Maria Emília da Silva, co-fundadora do Instituto Direitos Humanos: Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania e coordenadora do Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, de Minas Gerais; Maria dos Camelôs, liderança do Movimento Unido dos Camelôs (MUCA); Mônica Cunha, fundadora do Movimento Moleque, do Rio de Janeiro; e Preta Ferreira, militante pelo direito à moradia no Movimento dos Sem Teto do Centro de São Paulo, atriz e cantora.

É fundamental construir iniciativas que fortaleçam a luta das defensoras.  Assim, desde 2014, a Justiça Global tem a honra de homenagear, a cada ano, mulheres que estão na linha de frente pelos direitos humanos no Brasil. Com fôlego e urgência em celebrar a vida!

O hiato da pandemia 

São mais de dois anos de pandemia da Covid-19, um vírus que vem abalando as estruturas principalmente dos países empobrecidos. Afinal, são estes territórios que já sobreviviam à falta dos direitos básicos para a garantia da vida. No Brasil, infelizmente, essa doença chegou em um momento em que a extrema direita, miliciana, racista e fascista ocupam o poder. Estamos ainda hoje, sobrevivendo e combatendo fake news; presenciando o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS); a privatização da água em um momento em que este bem natural salva vidas; sem contar nas mais de 700 mil vidas que foram perdidas por causa da demora do atual presidente para a compra de vacinas contra a Covid-19 para imunizar a população.

Nesse contexto, a celebração que estava em preparação em março de 2020 foi suspensa. Passamos por uma crise sanitária, econômica e humanitária jamais imaginada. A apreensão sobre nosso futuro nos rondou intensamente em todo esse período. Diante de tantos atrasos e retiradas de direitos, novamente foram os movimentos sociais, assim como quilombolas, indígenas, negros, favelados, lgbtqia+ e do campo que se auto organizaram para lutar pela vida dos seus.

Homenagear essas mulheres de luta e resistência, é lembrar das suas lutas históricas, mas também da auto-organização suas e de seus movimentos durante esse triste período da pandemia da Covid-19 que até o momento retirou mais de 700 mil vidas em nosso país por causa de um governo que não garantiu o direito à vacina e nem se preocupou com a preservação da vida. Homenagear essas mulheres que são referências para todas e todos nós, é um ato de reconhecimento pelas suas históricas lutas coletivas em defesa dos direitos humanos, além de um agradecimento público por suas importantes lutas neste período de pandemia, pois estes movimentos com muita dificuldade fizeram o que o governo não fez.

Maria do Espírito Santo Silva

Em seus mais de vinte anos de atuação, a Justiça Global tem assistido um número expressivo de defensoras de direitos humanos em situação de vulnerabilidade, atacadas, ameaçadas ou criminalizadas em função da luta que empreendem – pela terra e pelo território, contra a tortura, o racismo, o patriarcado e o machismo, a LBGTfobia, a destruição do meio ambiente, o trabalho digno, a violência de gênero ou Estatal, entre outras. Lamentavelmente, não foram poucas que perderam a vida nessa trajetória, o que demonstra a fragilidade em que nossa democracia ainda se encontra.

Maria do Espírito Santo Silva foi uma dessas vozes silenciadas pela violência política. A extrativista e sindicalista atuava em defesa da preservação ambiental da área de Praia Alta Piranheira, uma das últimas áreas nativas de castanha-do-Pará, e da defesa da reforma agrária no sudeste do Pará. Ela e seu esposo José Cláudio Ribeiro da Silva viviam da extração de óleos de andiroba e castanha desde 1987 e faziam uma luta diária pela natureza, explicando aos vizinhos como o extrativismo era mais sustentável para eles do que a exploração predatória. Mas, em 2011 – depois de uma série de ameaças de madeireiros e grileiros, o casal foi vítima de uma emboscada no assentamento Maçaranduba II, perto da casa deles, na cidade de Nova Ipixuna (PA).

A escolha de seu nome para a homenagem, em 2014, é uma celebração da Justiça Global pelo eco da luta de Maria do Espírito Santo pela terra, pela proteção do meio ambiente e pelo Bem-Viver. É uma maneira de afirmar que seu nome e sua luta jamais serão esquecidos. Maria do Espírito Santo Silva, presente!

Maria Emília da Silva, umas homenageadas no prêmio Maria do Espirito Santo Silva

Maria Emília da Silva recebe homenagem Maria do Espírito Santo da Silva / Foto: Daniela Fichino/ Justiça Global

A defensora aponta como o início de sua militância já na primeira infância, a partir da atuação de seus pais na congregação católica que participavam. Seu pai foi sindicalista e também que tinha uma atuação política na Sociedade São Vicente de Paula. Segundo Maria Emília, esta ação se mostrava relevante num mundo marcado pela “globalização da indiferença”, onde muitos sofriam e sofrem até hoje.

Na juventude, ingressou em uma congregação religiosa missionária que tinha como missão “ir em busca dos mais necessitados, especialmente os operários, mulheres, negros e indígenas, nos lugares mais difíceis”. Nesse mesmo período, formou-se em direito com o objetivo de atuar na causa dos trabalhadores. O fato de pertencer durante vinte anos a esse espaço religioso missionário abriu as janelas para o mundo desenvolvendo trabalhos em países como Bolívia e Angola, dentre outros.

Ao retornar ao Brasil, em 1993, integrou equipes de trabalho na Pastoral Carcerária e na Comissão Pastoral da Terra. Em 1999, assumiu atividades como Coordenadora Municipal de Direitos Humanos em Belo Horizonte e, em 2003, ao se desligar da congregação religiosa, integrou o sistema de proteção dando início em Minas Gerais o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. Desde essa época continua trabalhando no Sistema de Proteção, tendo sido colaboradora da Equipe Técnica do PROVITA.

No ano de 2007, Maria Emilia e outras lideranças de Direitos Humanos fundaram o Instituto DH – Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania, ao qual permanece ligada como associada até a presente data. “Desde sempre e fiel às minhas origens de família e militância, tenho procurado focar minha vida de luta em favor dos excluídos e menos favorecidos”.

Para Maria Emília da Silva, que desde 2010 coordena o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais, “a luta por direitos humanos é sempre eivada da dimensão de resistência, pois o nome em si já se apresenta como uma forma de se impor pela recuperação de direitos. Dessa forma, a luta tem a representação de uma resistência pacífica pelo fato de vir carregada por tantas outras mulheres que visível ou invisivelmente fazem a história de luta no Brasil, América Latina e no mundo”.

Na sociedade, a intolerância dificulta o avanço na luta por libertação das mulheres e dos grupos mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, o crescimento de reações machistas, racistas, homofóbicas que influem diretamente no trabalho de fortalecimento das defensoras e defensores de Direitos Humanos, que reagem manifestamente se colocando como sujeitos dispostos a novas práticas na luta por direitos.

Texto: Justiça Global

Adaptado por Assessoria de Comunicação Instituto DH