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Lideranças de ocupações urbanas e rurais de MG constroem estratégias de proteção popular em oficina formativa

Abertura “Seminário Estadual – Proteção Popular e Direitos Humanos: pelo direito de ocupar, morar e resistir”, no Centro de Referência da Juventudes (CRJ) / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

Lideranças, defensores(as) de direitos humanos e integrantes de movimentos e coletivos sociais que lutam pelo direito à moradia e à terra participaram entre os dias 25 e 27 de agosto de 2022, em Belo Horizonte, do “Seminário Estadual – Proteção Popular e Direitos Humanos: pelo direito de ocupar, morar e resistir”, para construírem coletivamente estratégias de proteção popular diante da conjuntura de apagão das políticas habitacionais e de reforma agrária em Minas Gerais e em todo país.

O evento foi organizado pelo Instituto DH, entidade do terceiro setor responsável pela execução do Programa de Proteção aos(às) Defensores(as) de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG) e o Projeto Sementes de Proteção, uma articulação com a Sociedade Maraenhense de Direitos Humanos (SMDH), do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong) e da We World GVC Onlus.

MESA DE ABERTURA

Integrantes da Mesa de Abertura – Ocupações de Minas Gerais – pelo direito à terra e moradia” – Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

A primeira mesa de debate teve como tema “Ocupações de Minas Gerais – pelo direito à terra e moradia” e contou com a participação de defensores(as), além das equipes dos projetos realizadores. Os(as) expositores(as) puderam contextualizar a situação atual das ocupações por todo o estado de Minas Gerais e como se dão as estratégias locais de resistência frente às ameaças e violações de direitos humanos.

O professor e defensor protegido no PPDDH-MG, Jairo dos Santos, propôs aos participantes a construção coletiva de uma análise de conjuntura e ressaltou a importância da convocação dos(as) companheiros(as) do interior do estado para refletir e pensar junto como se dará o relacionamento com os Programas de Proteção a partir da luta por moradia.

Jairo, que é coordenador do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Teto de Minas Gerais (MTST-MG), disse que é preciso consolidar e proteger defensores(as) que ainda sofrem violações de direitos humanos. Ele destaca que a luta pelo direito à moradia, o Estado e as comunidades não são as mesmas de anos atrás.

Nossas periferias não são as mesmas, o Estado não é o mesmo e o contexto não é o mesmo. Por isso, precisamos organizar nossa retaguarda de luta por direitos. Qual a realidade do acesso à moradia hoje? A cidade é a mesma de 10 anos atrás? A especulação imobiliária funciona da mesma maneira?”

Ele acrescenta e traça o perfil do sem-teto na atualidade:

“Se trata de uma população excluída, marginalizada, subalternizada por um lastro histórico. A maioria das periferias são compostas por pessoas negras, mães solo, como o reduto dessa estrutura e o DNA das nossas cidades. Vivemos em cidades construídas para produzir sem-teto.”

E traz indagações importantes para compreender a realidade nas periferias e grandes cidades:

O que determina a periferia? O que determina a moradia nos centros urbanos? O que determina a vida do nosso povo nas periferias? O que nos põe em ameaça? A resposta é direta: construtoras, mineradoras e o agronegócio.”

Por fim, Jairo destaca que o Estado opera na lógica da necropolítica, que se faz presente na violação de direitos, como a falta de acesso aos auxílios financeiros, a insegurança alimentar, a falta de escolas e de transporte público de qualidade. Por isso, os movimentos populares se tornam cada vez mais frequentes e se organizam para ter cozinha solidária, creches, hortas comunitárias, entre outras ações de base.

O também defensor protegido pelo PPDDH-MG e representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG), Frei Gilvander, ressaltou que a luta por moradia digna é também a luta pela terra. Acrescenta que Minas Gerais é o terceiro estado do Brasil com maior extensão territorial e possui os maiores conflitos urbanos do Brasil, se consolidando enquanto um estado muito conservador, no qual o coronelismo e os latifúndios são mais brutais.

Ainda segundo Gilvander, a partir de dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), 22,6% das terras de Minas Gerais são devolutas e estão griladas pelo agronegócio.

“No mínimo 40% das propriedades fundiárias de MG são de documentos falsos e 50% das escrituras são falsificadas. Nos últimos 45 anos de luta pela terra, conquistamos apenas 420 assentamentos de reforma agrária, que assentou apenas 16 mil famílias” e, complementa: “Quanto mais radicalizamos na luta, quanto mais numeroso for o nosso movimento, mais a gente conquista! Quanto mais flexibilizamos, não conseguiremos nem migalhas.”, ressalta Gilvander.

Por fim, foram realizadas as falas institucionais dos projetos realizadores que contou com a representação da coordenadora adjunta do PPDDH-MG, Elenir Braga, e do Projeto Sementes de Proteção, Paulo Carbonari e Guilherme Couto, além da representação feminina das ocupações com a coordenadora da cozinha solidária Ipê Amarelo, Kelly da Cruz, de Contagem/MG.

ATO POLÍTICO PELO DIREITO À MORADIA

Ato Político pelo Direito à Moradia na Praça da Estação / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

Logo na sequência da mesa de abertura, os(as) participantes do evento promoveram um Ato Político na Praça da Estação, região central de Belo Horizonte e cenário de várias manifestações históricas, para reivindicar o direito à moradia digna e a necessidade de criar estratégias de proteção popular para as lideranças que colocam suas vidas em risco por defenderem a população mais vulnerável.

Ato Político pelo Direito à Moradia na Praça da Estação / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

O ato político foi fruto dos debates iniciais em relação à conjuntura das ocupações em Minas Gerais e teve como objetivo dar visibilidade às demandas desses movimentos para a cidade. Os(as) participantes elaboraram cartazes com dizeres de ordem e protesto no que tange às políticas habitacionais, além de cânticos que clamam por justiça social em todos os setores da sociedade. As lideranças também levaram bandeiras de seus movimentos, como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e de várias ocupações de Minas Gerais.

Ato Político pelo Direito à Moradia na Praça da Estação / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

SEGUNDO DIA DE ATIVIDADES: VIOLAÇÃO DE DIREITOS

No dia 26 de agosto (sexta), os(as) participantes foram convidados(as) a relatarem as violações de direitos humanos que sofrem no cotidiano de sua atuação por defenderem seu direito à moradia. Várias lideranças e defensores(as) compartilharam as ameaças sofridas em seus territórios e o quão difícil é resistir às investidas de diversos atores – do Estado e do setor privado – que tentam fragilizar e criminalizar a luta.

No que se refere às violações de direitos, as lideranças relataram a violência policial frequente, a atuação do crime organizado e o abandono institucional do Estado que se alastra em diferentes contextos e serviços sociais, além de várias outras, como é possível ler na foto abaixo.

À frente das resoluções de problemas em prol da comunidade, as lideranças de ocupações urbanas e rurais são frequentemente ameaçadas. Diante da exposição a que estão sujeitos, segundo relatos, muitos(as) são obrigados(as) a sair do território para se protegerem. No entanto, o desafio apontado por eles é pensar formas de poder continuar na luta e na sua localidade sem o medo de ser assassinado/a.

Painel Violações e Ameaças aos Defensores(as) de Direitos Humanos / Foto: Instituto DH/PPDDH/MG

Durante a discussão, foi debatido que, como defensores(as) de direitos humanos, dar visibilidade e tornar público o máximo de violações, se torna uma estratégia, como ressaltou o defensor protegido Vanduiz Cabral:

“Quanto mais público fica, mais difícil de ser executado ou violado. Se esconder é pior!”.

Neste momento do seminário, estiveram presentes e contribuíram para o debate o Diretor de Políticas Públicas de Proteção e Reparação dos Direitos Humanos do governo do estado de MG, Daniel Dias e Sarmento, e a vereadora e, atualmente, deputada estadual eleita pelo PSOL, Bella Gonçalves.

MESA: PERSPECTIVAS E ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO POPULAR AOS DEFENSORES(AS) DE DIREITOS HUMANOS

Apresentação das Cartilhas de Proteção aos(as) Defensores(as) de Direitos Humanos / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

Com o objetivo de ampliar o debate sobre estratégias de proteção e compartilhar experiências relacionadas ao tema, a assistente social e pesquisadora da Justiça Global, Daniele Duarte, foi convidada para conversar com as lideranças. Ela explicou que atualmente estamos imersos num sistema de desmontes e ataques à democracia e às políticas públicas, além de recorrente enfrentamento às violações de direitos humanos. Ela acrescenta que uma das estratégias usadas pela Justiça Global é a realização do mapeamento das organizações que acompanham os(as) defensores(as), e o fortalecimento dos espaços coletivos e das ações em rede.

Danielle Duarte, Justiça Global / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

“Somente a coletividade vai nos dar mais força na atuação diante das violências e ameaças”, ressaltou a pesquisadora.

O cientista social, arquiteto, integrante da Organização da Sociedade Civil (OSC) Arquitetura Sem Fronteiras, Eduardo Gontijo também convidado a falar sobre a sua experiência em Ocupações Urbanas em interface com arquitetura popular, apresentou o que ele chama de urbanização participativa e sua contribuição para o movimento de moradia. Para ele, o momento pós-urbanização exige a implantação de esgoto, energia, saneamento e é neste momento que os moradores devem ser convidados a participar para contribuírem no planejamento do espaço urbano.

Eduardo Gontijo, cientista social e arquiteto

O espaço das ocupações se constrói a partir da ação coletiva comunitária de alto apoio dos moradores que ocupam aquele terreno. Na fase da ocupação, os moradores vão dotando o terreno de infraestrutura à medida do que podem fazer, na base das experimentações e suprindo o que a cidade normal não os oferece – água, luz e esgotamento sanitário – à medida que eles dão conta de fazer com os recursos que possuem, eles constroem essas redes, então quando você chega no momento da urbanização e regularização fundiária, o poder público chega a atuar de uma maneira a desconsiderar todo esse investimento mesmo que tais redes não sejam perfeitas ou construídas com as melhores técnicas possíveis, é uma rede de serviços urbanos que estão ali construídas com os recursos que tinham no momento.

Sobre a participação no processo de regularização da ocupação, Eduardo destaca:

“A adoção das pessoas no momento do planejamento e urbanização para regularização fundiária é fundamental já que elas possuem noção do processo de construir, de urbanizar a partir de uma experiência prática. É fundamentalmente neste processo de demarcação e urbanização que as pessoas devem ser ouvidas, complementa Eduardo.

ESTRATÉGIAS DE PROTEÇÃO POPULAR

Clarice Imbuzeiro, técnica social do PPDDH-MG

Ainda na tarde do dia 26 de agosto (sexta), as lideranças tiveram a oportunidade de traçar estratégias de proteção popular e conhecer conceitos relacionados a proteção integral e autoproteção.

O grupo mediador do encontro sugeriu o estudo de um caso fictício e as lideranças propuseram alternativas e ações de proteção a partir da análise de contexto e conjuntura que fazem parte da luta urbana e rural por acesso à moradia e à terra.  Os grupos identificaram os seguintes pontos:  as ameaças diretas e indiretas, os incidentes de segurança, os agentes envolvidos, além dos pontos fortes e fracos.

A proposta da atividade foi trazer elementos que acontecem no cotidiano para que as lideranças pudessem exercitar o levantamento de estratégias e ações em paralelo com a sua própria atuação nas comunidades e ocupações.

Cartilhas de Proteção Popular, Projeto Sementes de Proteção / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

Na ocasião, foram apresentadas também as duas Cartilhas de Proteção Popular produzida no âmbito do Projeto Sementes de Proteção:

Cartilha 1: “Proteção Popular de defensores e defensores de direitos humanos”

Cartilha 2: Subsídios para análise: desafios à proteção popular de defensores e defensoras de direitos humanos”.

Segundo a organização Global Witness, o Brasil ocupa hoje o quarto lugar no ranking dos países que mais matam defensores e defensoras de direitos humanos, ficando atrás apenas de Colômbia, México e Filipinas. Daí a necessidade de pensar estratégias de autoproteção e fortalecer a luta pela garantia de direitos.

DE VOLTA ÀS COMUNIDADES

Lideranças e defensores(as) de direitos humanos e pelo direito à moradia e a terra / Foto: Instituto DH/PPDDH-MG

No último dia de encontro, 27 de agosto (sábado), a proposta era compreender como retornar às comunidades e multiplicar as discussões no território com outras lideranças e atores envolvidos na luta.

A partir disso, discutiu-se sobre o fortalecimento da ação dos defensores(as) a partir de uma integração em suas regiões, de modo a refletir o papel da luta nas bases, formando multiplicadores e lideranças que muitas vezes estão fora de risco.

Outra estratégia é levar o conhecimento para dentro do território, fazendo diálogos com outras ocupações visando a troca de experiências, bem como a valorização e a construção de cuidado, autocuidado e partilha de saberes.

Por último, avaliou-se a importância de organizar novos encontros regionais para dar continuidade aos debates sobre a conjuntura e estratégias de proteção. A tentativa é efetivar a criação de uma rede permanente de assistência aos defensores(as) com o objetivo de identificar suas especificidades e ameaças vivenciadas.

Veja mais fotos do evento no instagram – @institutodh.org