Promovida pela equipe técnica do Programa de Proteção aos(às) Defensores(as) de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH/MG), lideranças impactadas pela mineração foram convidadas pelo Instituto DH e Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) para participarem de uma oficina sobre autoproteção, realizada nos dias 11 e 18 de maio de 2022 de forma virtual.
A proposta da formação teve como objetivo compartilhar e construir estratégias de autoproteção no contexto de ameaças e violação de direitos humanos que tais lideranças e defensores(as) estão sujeitas por estarem na luta pela preservação ambiental e defesa dos seus territórios.
O aumento das ações de mineração por todo o estado e os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho estão entre os principais desastres industriais, ambientais e humanitários da história brasileira. As consequências de ambos os casos, além do avanço da mineração em áreas ainda preservadas, preocupam moradores dessas localidades que são intimidadas e ameaçadas pelas empresas e seus interlocutores por defenderem seus direitos de reparação e de cuidado com o meio ambiente.
Nesse sentido, a oficina de autoproteção teve como função também possibilitar que os/as atingidos/as pudessem conhecer e compartilhar suas histórias e vivências em busca de ações de auto fortalecimento dos coletivos que atuam contra os abusos das empresas mineradoras nos territórios. Além disso, durante a formação foramtraçadas estratégias de proteção e de circulação no território, tendoem vista as ameaças. A ideia é que o resultado das discussões gere uma cartilha sobre autoproteção para distribuir para outras lideranças.
A demanda pela oficina partiu do Instituto Guaicuy que assessora a região do Bacia do Paraopeba e da Represa de Três Marias, e contou ainda com a parceria da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS) e o Instituto Nenunca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA) que também convidaram lideranças dos territórios que atuam.
Reunião com Indígenas Xacriabás, em São João das Missões – Foto: PPDDH-MG/Instituto DH
Depois de dois anos em pandemia, a equipe técnica do Programa de Proteção aos(às) Defensores(as) de Direitos Humanos (PPDDH-MG) realizou entre os dias 02 e 04 de maio de 2022, a primeira visita de acompanhamento aos defensores indígenas Xacriabás, em São João das Missões, no norte de Minas Gerais, depois do incêndio na Escola Estadual Indígena Xukurank, da Aldeia Barreiro Preto, em junho de 2021.
O encontro teve como objetivo debater as situações de violações de direitos humanos aos indígenas incluídos no PPDDH-MG, bem como realizar o acompanhamento de rotina in loco. A reunião contou com a participação de vários Caciques das Aldeias que pertencem aos Xacriabás e demais defensores incluídos no programa.
Entre as demandas mais urgentes, os indígenas abordaram sobre a necessidade de uma audiência pública com órgãos municipais e estaduais, a ampliação do diálogo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Ministério Público (MP) de Montes Claros e, ainda, sobre a regularização do “lixão” do município que encontra-se no território indígena, assim como as ameaças de invasão que vem ocorrendo.
Também foi pauta o desgaste da relação com a prefeitura do município de São João das Missões, uma vez que as demandas nunca são atendidas, principalmente, no que refere-se as questões de saúde dos indígenas. Além disso, no que tange à prefeitura de Itacarambi, os indígenas relatam sobre os problemas de abastecimento de água, cada vez mais recorrente. Eles ressaltaram também sobre a importância do acompanhamento próximo do PPDDH-MG, que em função da pandemia, esteve distante neste período. Na ocasião, a equipe reapresentou as diretrizes de atuação do programa e pactuou como atuaremos daqui para a frente.
Por fim, entre os principais encaminhamentos, definiu-se que será realizado estudo para viabilizar a instalação de câmeras de segurança, a realização de ações de visibilidade com o intuito de divulgar as demandas da comunidade e a articulação junto ao PPDDH-MG nos órgãos de justiça e do município para atendimento às reinvindicações e para a realização da audiência pública.
ESCOLA INDÍGENA INCENDIADA
Sala da Escola Indígena incendiada – Foto: PPDDH-MG/Instituto DH
Uma das professoras indígenas, também incluída no PPDDH-MG, relatou sobre a falta de resposta sobre o incêndio à Escola Indígena Xuxurank, na aldeia Barreiro Preto. Infelizmente, o processo foi arquivado porque a Polícia Federal não conseguiu reunir provas de autoria, embora haja fortes indícios de que o incêndio foi criminoso. Em seguida, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou o arquivamento do processo no mês passado.
Sala improvisada com tabumes na Escola Estadual Indígena Xukurank, da Aldeia Barreiro Preto – Foto: PPDDH-MG/Instituto DH
Atualmente, as atividades da escola estão sendo realizadas em local improvisado. Toda estrutura está em reforma para readequação do espaço e reparos essenciais. Segundo os indígenas, são necessários mais recursos para acelerar as obras. A instituição atende mais de 100 estudantes indígenas nos três turnos de funcionamento.
REUNIÃO COM SECRETÁRIOS MUNICIPAIS
Reunião com secretários municipais da prefeitura de São João das Missões, equipe PPDDH-MG e representantes indígenas / Foto: PPDDH-MG/Instituto DH
Articulada pela equipe técnica do PPDDH-MG, a reunião com as autoridades de São João das Missões contou com a presença da Secretária de Desenvolvimento Social, Denusa Sousa, o Secretário de Governo, Edvânio Ferreira, e os representantes dos indígenas e Conselheiro de Saúde, Maciel da Silva e Geovane Dourado. A proposta da reunião foi debater sobre os problemas levantados pelos Xacriabás da Aldeia Morro Vermelho na tentativa de dar mais celeridade na resolução das demandas.
Entre as principais demandas trazidas estavam os problemas relacionados a falta de repasse dos recursos da saúde, as estado das estradas, as consequências trazidas pelo “lixão” no território e a política de destinação de cestas básicas.
O QUE DISSERAM AS AUTORIDADES E INDÍGENAS
Secretário de Governo: explicou que o problema do “lixão” é antigo e que o novo projeto vai melhorar a situação, mas pontuou que as providências serão resolvidas a longo prazo e que existe a possibilidade de transferência dos resíduos para o município de Pedras de Maria da Cruz. O secretário afirmou também que realizará um levantamento sobre as questões que envolvem o “lixão” e que agendará uma reunião com os Xacriabás para repasse das ações de saúde que estão em andamento.
Secretaria de Desenvolvimento Social: afirmou que a situação de vulnerabilidade social que atinge o município é muito complexa em função da extensão do território e da problemática envolvendo o uso abusivo de álcool e outras drogas. A secretária informou também que só existe um Centro de Assistência Social (CRAS) no município e que fica localizado em território Xacriabás, o que dificulta os atendimentos.
Assim como na reunião com as lideranças, os representantes indígenas relataram a dificuldade de diálogo com a Polícia Federal e a FUNAI, além de cobrarem o retorno das reuniões integradas do Conselho de Segurança Pública que auxiliavam a comunidade.
Remanescentes quilombolas do Baú, Polícia Militar, equipe PPDDH-MG e representante do MPF Foto: Instituto DH
A luta pela garantia de direitos segue constante na Comunidade do Quilombo Baú, em Itira, distrito de Araçuaí, na região nordeste de Minas Gerais, no médio Vale do Jequitinhonha. Por meio da articulação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH-MG) e Coletivo Margarida Alves, os quilombolas receberam os representantes da Polícia Militar (PM) e do Ministério Público Federal (MPF), na última semana (12/04/22), para tratarem sobre questões relativas às ameaças de latifundiários e mineradoras ao território.
O encontro com as autoridades da segurança pública e da Justiça teve como objetivo debater os principais problemas do Quilombo Baú no contexto de violação de direitos vivenciado em três principais áreas: regularização fundiária do território, segurança e preservação dos recursos naturais. Entre as pautas mais urgentes, o presidente da Associação Quilombola Baú e defensor de direitos humanos incluído no PPDDH-MG, Antônio Cosme, 50 anos, destacou o avanço das empresas de mineração, que além de ocupar/destruir ilegalmente as riquezas naturais, agridem o Meio Ambiente ao descartar em rios e córregos resíduos tóxicos, o que impossibilita o consumo de água e o uso para a agricultura familiar.
Reunião com MPF, PM e equipe PPDDH com membros do Quilombo Baú Foto: Instituto DH
Para o promotor de Justiça, representante do MPF, Rodrigo Horta, o contato frequente com a comunidade possibilita uma atuação constante em diversas frentes e que vai continuar na articulação de parceiros para construir soluções, principalmente, no que tange a atuação da polícia ambiental. Questionado sobre a ausência de resposta da PM para registros de ocorrências pelos membros do Quilombo, o promotor afirmou que a situação foi resolvida e que as autoridades policiais foram orientadas a realizar as futuras ocorrências, caso ocorram.
De acordo com o comandante da 1ª região de Teófilo Otoni, Coronel Heleno e o Tenente João Paulo, a Polícia Militar tem buscado atuar junto à comunidade numa perspectiva preventiva e de mediação de conflitos e que a reunião foi um momento importante de diálogo com os quilombolas para entender a história e fortalecer os laços com o Quilombo Baú. No passado, a PM já realizou ação invasiva na comunidade. Segundo relatos, casas foram invadidas e quilombolas foram presos.
A advogada e integrante do Coletivo Margarida Alves, Layza Queiroz, que também acompanha a comunidade, esclarece sobre o processo de titulação definitivo do território e como o uso indevido da mineradora afeta o cotidiano do Quilombo. Para a advogada popular, ações jurídicas devem ser realizadas caso se constate a atuação predatória das empresas. “É necessário fazer o levantamento dos danos para que haja a devida compensação”, explicou.
A equipe do PPDDH-MG, responsável pelo acompanhamento do defensor Antônio Cosme, ressaltou o papel do Programa de Proteção na articulação das entidades públicas para que possam dar uma resposta efetiva às demandas do Quilombo do Baú. Além disso, o advogado do Programa ressaltou que a equipe permanece vigilante para promover ações de proteção específicasao defensor, que sistematicamente, recebe ameaças pela atuação em defesa do território tradicional.
Como encaminhamento, os representantes do poder público e as entidades que apoiam a comunidade quilombola do Baú, esclarecem que continuam à disposição para contribuir com o processo de regularização do território. Vale ressaltar que representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) foi convidado para a reunião, mas justificou a ausência por questões de saúde na família. A previsão é que agentes do INCRA visitem o Quilombo Baú ainda no mês de maio/2022.
SOBRE O QUILOMBO BAÚ
Entrada do território Quilombo Baú – Foto: Instituto DH
A disputa por território pelo interior de Minas Gerais não é algo incomum. Há anos, povos tradicionais indígenas e quilombolas lutam pelo reconhecimento e regularização histórica e jurídica de suas terras para fazer frente às ameaças de latifundiários e empresas de diversos segmentos que seguem em busca de riquezas naturais.
Segundo Antônio Cosme, o povoamento do Quilombo Baú se deu quando seu tataravô africano, conhecido como Antônio Baú, fugiu do cativeiro em Arraial do Príncipe, hoje conhecida como Serro/MG e se instalou no território onde hoje encontra-se a comunidade. Lá, ele conheceu uma indígena do tribo Botocudos e dá início ao seu núcleo familiar. No contexto do século XVIII, ainda de acordo com o defensor, José Frei de Moura e Inácio Carlos Moreira Murta, se tornariam os grandes coronéis da região e levariam seu tataravô a ser novamente escravizado, quando uma grande luta entre negros e indígenas contra os fazendeiros marcou aquele período.
Presidente da Associação Quilombola Baú e liderança da comunidade, Antônio Cosme Foto: Instituto DH
O território reivindicado pela comunidade Baú, está situado na Fazenda Santana, que fica a 80km de Araçuaí. A região foi subdividida em outras fazendas com mais de 25 proprietários, em sua maioria herdeiros da família Murta. Também vivem no entorno, indígenas da etnia Pataxó-Pankararu, da Aldeia Cinta Vermelha Jundiba. A terra teria sido adquirida por meio de doação feita pelo Bispo Dom Crescênzio Rinaldini (Dom Enzo), falecido em 2001.
A Associação Quilombola Baú, entidade jurídica da comunidade, é reconhecida como de utilidade pública municipal (2006) e possui certificação pela Fundação Palmares (2008). No entanto, ainda não há a regularização definitivado território pelo INCRA, o que intensifica os conflitos territoriais e a migração dos remanescentes para área urbana. Ainda, na década de 80, em busca de melhores condições de vida, centenas de famílias migraram da Fazenda Santana para o bairro Pipoca. A população do Quilombo Baú já chegou a mais de 4 mil pessoas distribuídas em mais de 380 famílias. Em 2022, de acordo com o defensor, estima-se que ainda residam cerca de 200 pessoas distribuídas entre em mais de 900 hectares, o que equivale a 9 km2 de extensão territorial.
Hoje, 7 de abril de 2022, Dia do Jornalista, o Programa de Proteção aos Defensores(as) de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG) presta homenagem ao jornalista, ambientalista e ex-metalúrgico, Jurandir Persichini da Cunha, 77 anos, pela atuação histórica e corajosa em defesa dos direitos humanos em Minas Gerais. Na última segunda-feira, 04 de abril de 2022, a equipe técnica do PPDDH foi recebida pelo defensor em seu apartamento, no bairro Sion, na capital mineira, para uma conversa de acompanhamento do seu caso.
A história de vida de Jurandir Persichini se confunde com as memórias do jornalismo mineiro e a luta pelos direitos humanos. Sua trajetória profissional tem início como metalúrgico da Usiminas na década de 60 e por lá testemunhou e sobreviveu ao “Massacre da Usiminas”. Na ocasião, cansados de serem torturados em alojamentos e cumprirem mais de 12 horas diárias de trabalho, os metalúrgicos foram recebidos com tiros de metralhadora por militares durante manifestação grevista na porta da empresa na manhã do dia 7 de outubro de 1963. Segundo as autoridades da época, oito pessoas foram mortas. O crime ocorreu às vésperas do golpe militar que veio a se concretizar após 31 de março de 1964.
Em 1967, Jurandir levou de Belo Horizonte para Ipatinga exemplares do jornal “A Verdade”, com reportagem sobre os quatro anos do massacre e por causa disso foi censurado, preso e torturado. Após ser transferido pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Persichini ficou preso até abril de 1968. Em seguida, conseguiu concluir o curso de Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e continuou sua atuação em movimentos de trabalhadores sindicais e ambientais.
Depois de formado, Jurandir se consolidou no mercado profissional e se tornou referência no jornalismo mineiro. Esteve em redações de grandes jornais impressos de Belo Horizonte (Estado de Minas e Hoje em Dia) e emissoras de TV (Rede Globo e TV Alterosa), além de ter contribuído para a consolidação dos cursos de jornalismo em universidadesprivadas, como na Newton Paiva, instituição que também lecionou durante anos.
Na área cultural, coordenou diversos equipamentos culturais, como o Museu Abílio Barreto e o Teatro Francisco Nunes, e trabalhou próximo às grandes autoridades políticas como assessor de comunicação em secretarias de governo de diferentes linhas ideológicas. Mais recentemente, em 2013, foi membro da Comissão da Verdade em Minas e do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Como membro da Comissão, sugeriu a apuração e reabertura das investigações de dois episódios que marcaram sua história pessoal e como jornalista: oMassacre da Usiminas, em Ipatinga, e a repressão na mina de Morro Velho, em Nova Lima. Com novas informações sobre o Massacre, o número de mortos oficialmente registrados naquela época como apenas oito, foi corrigido para 32, como demonstraram as provas testemunhais. “Foram comprados 32 caixões em Belo Horizonte e apresentamos testemunhas que confirmaram o ocorrido”, esclarece Jurandir.
JORNALISTA DEFENSOR DO MEIO AMBIENTE
A atuação do jornalista em grupos e movimentos sociais em defesa dos direitos humanos, tanto como profissional da comunicação, mas também como cidadão, tornou Jurandir um alvo fácil para ameaças contra a sua integridade físicae seu patrimônio, conforme relato à equipe técnica do PPDDH-MG.
Depois de anos dedicados ao jornalismo e já aposentado, Jurandir adquiriu um Sítio Ecológico, no município de Rio Acima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Embora já figurasse como defensor do meio ambiente em ações de preservação ambiental, como apoiador das atividades do projeto Manuelzão, e dezenas de reportagens sobre as questões ambientais de Minas Gerais no que se refere a mineração predatória, Persichini passou a defender o Rio das Velhas, a Estrada Real e os recursos naturais da região, local onde seu sítio está situado. É no contexto de violência contra a sua propriedade e bens naturais que a compõem que o jornalista, agora cada vez mais ativista ambiental, solicita a sua entrada ao PPDDH-MG, em 2017. Contudo, depois de cinco anos de acompanhamento, o sítio continua a ser alvo de furtos, roubos e incêndios das áreas limítrofes.
Mesmo após várias violações ao patrimônio e de denúncias às autoridades policiais, Jurandir continua na luta pela proteção ambiental do território e sabe que a sua permanência por lá é uma forma de impedir a ação de grileiros e empresas de mineração que querem acabar com o pouco que restou da fauna e flora . O sítio pode se tornar uma Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) e o processo de registro está em andamento. O RPPN tem por objetivo preservar a diversidade biológica e reconhecer a posse de domínio privado.
“Notadamente há mais de cinco décadas atuo em defesa do território ambiental na qual foi instalada a minha residência em favor da Mata Atlântica, do Rio das Velhas e de suas nascentes, córregos, trilhas ecológicas e em defesa da fauna e da flora na tentativa de preservar espécies nativas da ação de grileiros, mineradoras, empreiteiras e imobiliárias.”
Jurandir Persichini, jornalista e ativista ambiental
Em depoimento gravado (ver abaixo), Persichini mostra as instalações do sítio e se orgulha dos registros históricos sobre as cidades vizinhas de Rio Acima, como Raposos e Itabirito, realizadas como jornalista na juventude, além do relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais.
Jornalista Jurandir Persichini fala sobre sua atuação em defesa do meio ambiente e dos direitos humanos
POLÍTICA DE PROTEÇÃO AOS(AS) DEFENSORES(AS) E AS AMEAÇAS AOS PROFISSIONAIS DA IMPRENSA E AMBIENTALISTAS
O decreto nº 9.937 do governo federal, incorporou em julho de 2019, a nomenclatura oficial do Programa “Comunicadores” e “Ambientalistas”, e passou a se chamar Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. Em Minas Gerais, curiosamente, ainda não houve proposição de projetoou decreto estadual para a mudança de nome. De todo modo, o acolhimento do(a) defensor(a) é pautado pela sua trajetória e a violação de direitos pelo qual vivencia, sendo o nome, neste caso, algo burocrático, mas simbolicamente relevante.
A alteração da nomenclatura se deu, principalmente, por causa do aumento das ameaças aos profissionais da imprensa e ambientalistas. A postura e a atitude sempre agressiva do atual Presidente da República contra jornalistas, por exemplo, segundo relatórios da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) preocupa as entidades. Só em 2021, o Brasil registrou uma média de três ataques a jornalistas por semana. O número de vítimas aumentou 21% de 189 para 230 profissionais, segundo o relatório “Violações à Liberdade de Expressão”, produzido pela Abert.
Em relação aos ambientalistas, até 2019, segundo o site do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), responsável pela execução do PPDDH, atendeu 665 pessoas em todo país, sendo mais da metade casos referentes a militância em defesa dos povos indígenas, quilombolas, ambientalistas e ligados aos conflitos por terra. A alta incidência desses casos, notadamente, contribuiu para a inclusão da nova nomenclatura.
Em Minas Gerais, Jurandir é o único profissional de imprensa atendido no PPDDH-MG em 10 anos de execução do programa. Sua entrada não se dá pela atuação como jornalista, especificamente, mas em razão da sua luta incondicional pelo meio ambiente e sua trajetória como ativista dos direitos humanos. Entre os mais de 80 casos ativos no Programa até março de 2022, não há casos de jornalistas incluídos em função da sua atuação profissional como comunicador(a). Tal fato revela uma contradição, já que os índices de violência contra os profissionais de imprensa têm crescido nos últimos três anos. Quanto aos defensores(as) ambientalistas, estes representam quase 20% do universo de casos atendidos pelo PPDDH em Minas Gerais na atualidade.
O Instituto DH por meio do PPDDH-MG parabeniza todos os(as) profissionais da imprensa na pessoa do Jurandir Persichini, lutador incansável pelos direitos humanos e ativista ambiental. Que a luta dele possa inspirar outras(as) jovens jornalistas a trilhar o caminho da justiça social, na defesa da liberdade de expressão e contra a censura.
Reunião da Rede de Proteção na aldeia Katurãma, 22 de março de 2022 – Foto: PPDDH-MG
Articulada pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG), a Aldeia Katurãma, do povo Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, recebeu na terça-feira, 22 de março, diversos representantes que compõem a rede de proteção do estado e do município. Estiveram presentes representantes da Polícia Militar e Civil, Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (INSEA) e representantes da Secretaria de Desenvolvimento Social e da Secretaria de Obras da prefeitura de São Joaquim de Bicas, onde vivem os indígenas.
A reunião teve como finalidade dialogar sobre as estratégias e ações de garantia de direitos e proteção ao território, que vem sendo sistematicamente ameaçado por grileiros. A Cacica Ãngohó relatou sobre as demandas do seu povo relacionadas à segurança, saúde, educação e abastecimento de energia e água, sendo este o ponto que mais a preocupa no momento. Na ocasião, ela informou também que a escritura do terreno está em etapa de finalização e contribuirá para o processo de regularização jurídica da comunidade que foi doada pela Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira.
Reunião da Rede de Proteção na Aldeia Katurãma, 22 de março de 2022 – Foto: PPDDH-MG
O representante da Secretaria de Obras informou que, de posse do documento da escritura, irá viabilizar o diálogo com a COPASA e com a CEMIG, já que ambos os abastecimentos são improvisados. O representante da Polícia Civil ressaltou que é importante delimitar a atuação de cada instituição de segurança no atendimento às demandas dos indígenas, uma vez que a Polícia Civil tem número escasso de profissionais para as investigações, embora relate que já realizou contato com a Cacica para averiguar as denúncias, ressaltando que, inclusive, algumas já se encontram encerradas. A Polícia Militar esteve na reunião por aproximadamente 10 minutos, mas teve que sair para atender outra ocorrência.
Reunião da Rede de Proteção na Aldeia Katurãma, 22 de março de 2022 – Foto: PPDDH-MG
Sobre as estratégias de preservação ambiental, o representante do INSEA relatou que já oficializou o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a Secretaria de Meio Ambiente sobre a destruição de nascentes e a contaminação delas por gados e fossas, mas não teve retorno. A equipe do PPDDH-MG fez contato com representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas não responderam. Aos indígenas, a instituição relatou que não puderam participar da reunião porque estavam acompanhando outro caso.
Ao final, os representantes das instituições presentes oficializaram encaminhamentos em conjunto para continuar as atividades de proteção a comunidade indígena Aldeia Katurãma do povo Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe. A equipe do PPDDH-MG fez o registro fotográfico do território para ações de visibilidade visando repercutir as violações de direitos humanos, mas também ressaltar a importância da preservação da cultura e tradição indígena em Minas Gerais.
A “Oficina Estadual Virtual do Projeto Sementes de Proteção: defendendo vidas” foi retomada em outra sala virtual após ataque dos hackers, nesta quarta-feira, 23/02. A proposta do encontro era debater os desafios da atuação de quatro defensoras incluídas no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG) a partir das discussões sobre as redes de proteção popular no contexto das violações de direitos humanos. A quarta debatedora que discutiria sobre as violações de direitos em relação aos Povos e Comunidades Quilombolas, a defensora Maria Alves, não pôde participar por problemas pessoais.
A discussão teve início com a participação da professora universitária e psicóloga social, Márcia Mansur. A pesquisadora enfatizou quais são os fatores que constituem a rede e a necessidade da multidisciplinariedade e articulação com vários setores e movimentos. Ela reafirmou também que é fundamental a formação de uma rede física de garantia de direitos sociais. “A rede se faz por via das relações pessoais e, sobretudo, afetivas, que carrega em si um emaranhado de relacionamentos, pessoais e experiências que compõem a rede”, explicou.
Cacica Angohô da Aldeia Katuramã, povo Pataxó Hã Hã Hãe
Logo depois, a Cacica Angohô da Aldeia Katuramã, povo Pataxó Hã Hã Hãe, defensora incluída no PPDDH-MG, contou como faz o enfrentamento dos ataques quase que cotidianos ao território. A indígena explicou que para fazer frente às invasões de grileiros, a estratégia foi criar um grupo de WhatsApp com o máximo possível de atores que atuam em prol dos direitos humanos. Angohô acrescentou ainda que a comunicação mais rápida e assertiva para os momentos de crise é uma das formas de articulação da rede. “É necessário também educação de qualidade para a promoção dos diretos sociais e a garantia da sobrevivência dos povos indígenas e a proteção do nosso território. Estou cansada do massacre e assassinato dos povos indígenas”, protestou Cacica Angohô.
Engenheira de Mineração e defensora no PPDDH_MG, Ana Carla de Carvalho
Em seguida, a engenheira de mineração e defensora incluída no PPDDH-MG, Ana Carla de Carvalho, contou muito emocionada as repercussões físicas e psicológicas que vivencia durante o enfrentamento dos desmandos da mineradora Vale em seu território, em Ouro Preto/MG, e como a rede de apoio do Programa de Proteção foi fundamental neste processo. “Durante atuação como liderança na comunidade, tive a casa invadida, fui ameaçada de morte e precisei ser incluída no Programa de Proteção aos Defensores”, relatou a defensora. Ela foi atingida pela Barragem do Doutor quando a Vale fez a remoção de muitas famílias durante a pandemia sem aviso e com a desmobilização da rede de apoio.
Presidenta do Conselho Municipal de Saúde de BH e defensora no PPDDH-MG, Carla Anunciatta
No fim, a presidenta do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (BH), psicóloga social e defensora incluída no PPDDH-MG, Carla Anunciatta, fez um breve relato sobre a constituição do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil e a importância dos movimentos sociais e as universidade públicas neste processo. A ativista também relatou que as ameaças que recebeu aconteceram quando defendeu o fechamento de BH durante o momento mais crítico da pandemia e precisou ser atendida pelo PPDDH-MG. “A saúde só se torna um direito depois de muita luta dos movimentos sociais, antes a saúde ficava à mercê da igreja e da solidariedade empreendidos por outros atores”, comentou ela ao explicar o papel da rede na construção da política pública de saúde.
SOBRE O PROJETO SEMENTES DE PROTEÇÃO
O projeto “Sementes da Proteção” visa fazer frente às violações dos direitos humanos que foram intensificadas nos últimos anos. A ideia é reorganizar lideranças e movimentos constituídos coletivamente para traçar estratégias de proteção popular dos defensores(as) engajados(as) na luta pelos direitos humanos.
O Instituto DH – Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania em parceria com diversas entidades estaduais é a responsável pela execução das atividades do projeto Sementes de Proteção Popular: defendendo vidas em Minas Gerais.
SOBRE O ATAQUE HACKER
A “Oficina Estadual Virtual do Projeto Sementes de Proteção: defendendo vidas”, realizada pelo Instituto DH, na noite de quarta-feira, 23/02, via plataforma meet, foi invadida por hackers pró-Bolsonaro com ataques homofóbicos e xingamentos de baixo calão, vídeos e áudios de pornografia.
A invasão ocorreu quando o evento recebia mais de 60 pessoas entre as quais estavam: defensore(a)s, ativistas, militantes, gestore(a)s e profissionais das políticas de proteção, além de profissionais da segurança pública e de entidades da sociedade civil e do poder público que atuam em defesa dos direitos humanos por todo o Brasil.
A coordenação do Projeto Sementes de Proteção, representada pelo ativista Paulo Carbonari, indicou a equipe do Programa de Proteção e ao Instituto DH que faça a denúncia do caso a delegacia de crimes virtuais em Belo Horizonte. A invasão foi amplamente registrada pelos participantes e organização do encontro.
O diretoria do Instituto DH divulgou ontem, 24/02, carta de repúdio e denúncia para toda sociedade civil e poder público informando sobre o ocorrido com o objetivo de sensibilizar e informar as autoridades e defensores(as) de Direitos Humanos que estejam ainda mais atentos e vigilantes nas atividades virtuais. A ideia é que possamos aprender com o fato e nos fortalecer ainda mais.
“Ao invés de nos calar, vamos ampliar nossas vozes na defesa dos Direitos Humanos para uma sociedade em que todos possam viver com dignidade e respeito. Tal premissa é o que fundamenta o trabalho do Instituto DH e no PPDDH-MG”, declarou Maria Emília.
Após representantes de Walter Arantes e seus jagunços expulsarem a comunidade de dentro do território, quilombolas acamparam do lado de fora, local onde os animais da comunidades já estavam. Fonte: Comunidade Tradicional Quilombola de Croatá
Os moradores da Comunidade Tradicional Quilombola, Pesqueira e Vazanteira de Croatá, da região de Januária, norte de Minas Gerais, começaram o ano de 2022 vivenciando os efeitos das enchentes no rio São Francisco devido às fortes chuvas e as ações intimidatórias do fazendeiro da região.
Após terem que se deslocar para regiões mais altas do território, os comunitários foram expulsos pela terceira vez por jagunços de fazendeiro e pela Polícia Militar do seu próprio território, no dia 05 de fevereiro. Toda a ação ocorreu momentos antes da montagem do novo acampamento em local que tinham a posse, uma vez que já realizavam a criação de animais de grande porte e cultivo de hortaliças para o próprio sustento até que as ações de despego foram executadas.
Na ocasião, após intensa negociação junto aos policiais, dois moradores da comunidade foram conduzidos ao Batalhão para o registro de ocorrência. Ambos, atendidos pelo Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH-MG), assinaram um Termo de Compromisso de Comparecimento ao Juizado Especial Criminal, marcado para o dia 27 de abril de 2022.
Enquanto isso, a Polícia Militar continuou a vigília das famílias e um caminhão do fazendeiro foi deslocado até o local para retirada dos moradores do acampamento. Temendo que o conflito ficasse violento, de forma coletiva, a comunidade decidiu ceder à pressão armada militar que arbitrariamente os expulsaram – mais uma vez, sem ordem de despejo e sob influência do “gerente” da fazenda – mulheres, homens, crianças e idosos, do seu próprio território tradicional.
Além de fugir das enchentes, a escolha do local para o acampamento não foi por acaso. Com o anúncio de retorno das crianças às aulas presenciais, os pais e responsáveis decidiram buscar a melhor localização para facilitar o acesso das crianças ao transporte escolar e outros serviços básicos, como proteção e saúde. No entanto, ao expulsar a comunidade, a polícia ainda ameaçou chamar o Conselho Tutelar, alegando que as famílias estariam com os menores ao relento.
Diante dessa situação de injustiça, as crianças foram encaminhadas para a casa de parentes, mas os demais moradores continuam acampados e aguardam providências das autoridades responsáveis, uma vez que no entendimento da comunidade, não cabe a Polícia Militar de Januária, atuar nesse caso, uma vez que não tem a devida competência legal.
Nesse sentido, a atuação arbitrária da Polícia Militar em conjunto com latifundiários tem sido uma ação recorrente no histórico das comunidades tradicionais quilombolas e, em Croatá, não é diferente. Os atores têm atuado com o apoio do Estado via agentes da segurança pública, no sentido de criminalizar as famílias como “invasoras” de terras, mas que apenas desejam viver com dignidade e seguindo seus modos de vida no seu território de origem, tendo, portanto, seu direito à moradia garantido.
SITUAÇÃO DAS FAMÍLIAS QUILOMBOLAS
Pátio da residência de família tradicional Quilombola, Vazanteira e Pesqueira de Croatá em Januária, durante a cheia do Rio São Francisco, em Januária, fevereiro de 2022. Fonte: Comunidade Tradicional Quilombola de Croatá
Em função das chuvas intensas em todo o estado de Minas Gerais neste início de 2022, a Comunidade Tradicional Quilombola, Vazanteira e Pesqueira de Croatá encontra-se totalmente alagada, uma vez que o território faz parte da vazante do rio São Francisco e em tempos de cheia as águas sobem repentinamente.
Segundo os moradores, a cheia desse ano é pior desde a década de 80, quando a comunidade também sofreu os efeitos das enchentes, e consequentemente, teve suas terras invadidas logo em seguida, também por fazendeiros.
No momento, as famílias quilombolas encontram-se assentadas num ponto próximo à rodovia na região em barracos de lona aguardando as águas recuarem. O município tem dado o suporte básico com alguns suprimentos, mas os quilombolas afirmam que a Defesa Civil do município recusou a enviar o carro de abastecimento de água por julgar que a situação era de caráter privado e envolvia conflito com fazendeiro. Depois de várias denúncias dos quilombolas nas redes sociais, a Prefeitura regularizou o atendimento.
As lideranças quilombolas consideram a situação vivenciada humilhante. “Ter que ficar de fora do seu próprio território, exposto as pessoas que passam pela rodovia, com xingamentos preconceituosos e com risco de alguém nos agredir é uma situação horrível. Hoje eu sinto a dor do meu avô que morreu e teve as terras do Quilombo do Rio do Peixe disputadas no tiro”, relata liderança em entrevista. Hoje o Quilombo do Rio do Peixe, que pertencia ao avô de uma das quilombolas, pertence ao Walter Arantes, fazendeiro conhecido na região pelas disputas e apropriação das terras tradicionais quilombolas.
MESA DE DIÁLOGO
Temendo que o conflito pudesse resultar em ações violentas, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e outras entidades de apoio, como o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), solicitaram as autoridades do estado a realização da Mesa de Diálogo, instância criada para mediar e solucionar conflitos de natureza socioambiental e fundiária.
Cerca de 15 dias após a realização da Mesa com a presença de diversas autoridades da Justiça como a Defensoria Pública, Ministério Público; representantes do município de Januária; profissionais de órgãos ambientais e de regularização fundiária; além das partes envolvidas no conflito – a Comunidade Quilombola de Croatá recebeu mais um processo do fazendeiro Walter Arantes, alegando porte de armas por parte dos comunitários.
Tal processo reflete a posição irredutível de Walter Arantes e seus advogados durante a Mesa de Diálogo, marcada por falas racistas e que tem por objetivo desqualificar a Comunidade Tradicional na tentativa também de criminalizá-los como invasores do território que por direito, cultura e tradição os pertencem. Também, para uma das lideranças quilombolas, a Mesa de Diálogo provou que Walter e seus advogados não querem diálogo.
A LUTA PELO TERRITÓRIO TRADICIONAL
Mapa da Cartografia Social do território da Comunidade Quilombola Pesqueira e Vazanteira de Croatá. Fonte: Comunidade Tradicional Quilombola de Croatá
A Comunidade Quilombola Tradicional, Vazanteira e Pesqueira de Croatá tem suas origens às margens do rio São Francisco.
Parte de suas terras pertencem à União e o processo de demarcação do território não foi finalizado. No entanto, a Comunidade é certificada pela Fundação Palmares como Comunidade Remanescente de Quilombo e mantém processo no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que contém o relatório antropológico, elaborado pelo Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (NIISA), da Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) e com registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
O relatório antropológico é o primeiro passo para emissão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), que se mantém totalmente paralisado devido à política de governo de total exclusão da temática e perseguição declarada aos povos tradicionais, resultando em cortes orçamentários que inviabilizam a continuidade do processo, resultando em conflitos como da Comunidade Quilombola de Croatá e latifundiários como Walter Arantes.
A luta pela regularização do território do Croatá vem desde 2013, junto à Secretária de Patrimônio da União (SPU), que chegou a emitir uma nota técnica declarando a área indubitável da União. No Incra, o processo de regularização do território quilombola tramita desde 2018.
Na região, o conflito com o fazendeiro, latifundiário, empresário, dono das redes de supermercados EPA, Mineirão e BH, Walter Arantes é marcadamente direcionada à criminalização das comunidades quilombolas visando, inclusive, ampliar as cercas de sua propriedade para terras públicas da União, terrenos marginais do rio São Francisco e áreas reconhecidamente quilombolas, mas que por morosidade e omissão do Estado ainda não possuem o título oficial do processo de regularização do território tradicional.
Na Justiça, dois processos de reintegração de posse já foram movidos pelo proprietário na tentativa de intimidar a comunidade de Croatá. Além disso, a Polícia Militar da região atua descaradamente em favor de Walter Arantes, agindo na maioria das vezes como “seguranças particulares” da propriedade do fazendeiro, mesmo com os processos tramitando na esfera federal. Este posicionamento, inclusive, foi fortemente criticado pelas autoridades da justiça durante a Mesa de Diálogo.
Sendo assim, a percepção é que a Polícia Militar, ao atender o fazendeiro, desconhecendo os direitos das comunidades e a existência dos processos envolvendo uma dos maiores latifundiários do Estado de Minas Gerais (preso na Operação Lava Jato), ao invés de conduzir a situação pela proteção e direitos dos cidadãos, age em prol de interesses privados.
De acordo com o boletim de ocorrência, mesmo os policiais tendo escutado e registrado que os animais da comunidade estavam na área de posse da comunidade, resolveram atender a demanda do fazendeiro expulsando os quilombolas que somente fugiam das enchentes e das chuvas.
COMUNIDADES TRADICIONAIS QUILOMBOLAS E AS AMEAÇAS AOS SEUS MODOS DE VIDA
A região do Norte de Minas, em específico, nas Barrancas do Rio São Francisco é marcada por uma longa história de expulsão de povos tradicionais e grilagem institucionalizada de terras da União.
O estilo de vida de seus antepassados, com profundos vínculos territoriais que incluem áreas vazanteiras (alagáveis, com lagoas marginais, berçários de peixes do rio São Francisco), sempre esteve ameaçado por grileiros, que, desde o tempo de antigos, utilizam da força bruta e das relações institucionais para expulsar os povos tradicionais originais destes territórios.
Por alguns anos, parte desse povo resistiu nas periferias das cidades, mas, o sustento, comida e trabalho sempre esteve atrelado ao rio e a essas áreas de vazantes. Atualmente o contexto de ataques aos direitos dos povos tradicionais têm cada vez mais diminuído as ações institucionais para regularização das terras tradicionais. Tal cenário tem gerado violência local que se manifesta em ameaças por funcionários do fazendeiro e grileiros que se espalham no Norte de Minas Gerais.
ATUAÇÃO DO PPDDH-MG E ENTIDADES PARCEIRAS
O Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH-MG), executado pelo Instituto DH, por meio de sua equipe técnica, vem acompanhando as diversas situações de violação de direitos vivenciadas pela Comunidade Tradicional Quilombola desde 2017.
A proposta do PPDDH-MG é acionar a rede de proteção do município e do Estado – sociedade civil, poder público e judiciário – com o objetivo de mediar e acionar mecanismos e instâncias institucionais para promover a aplicação e execução das políticas públicas para pessoas e comunidades que sofrem sistematicamente violações de direitos humanos.
No contexto da Comunidade Tradicional Quilombola de Croatá, o PPDDH-MG, tem intensificado as denúncias dos quilombolas no que tange a demora do processo de regularização do território e as constantes ameaças vivenciadas pelos defensores. Além disso, a equipe realiza o acompanhamento jurídico e das ações de proteção realizadas pelos órgãos de saúde, educação e assistência social.
Várias entidades locais atuam no sentido de dar visibilidade e apoio institucional à situação da Comunidade de Croatá, entre elas, o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), a Associação Comunitária Quilombola Pesqueira e Vazanteira Croatá (ACQPVC) e Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil. Como encaminhamento de apoio, serão realizadas diversas ações de comunicação para ampliar o debate sobre a necessidade e a importância de regularização dos territórios quilombolas por toda Minas Gerais e o país.
A articulação em “Rede” no contexto das entidades do terceiro setor, movimentos sociais e poder público ainda é um grande desafio no enfrentamento das violações de direitos humanos, sobretudo, na atual conjuntura de desmonte de diversas políticas públicas impostas pelo governo e aqueles mais alinhados ideologicamente. As “Redes” de apoio, portanto, nunca foram tão necessárias.
Nesta perspectiva, é imprescindível que os defensores/as de direitos humanos reinventem seus modos de atuação na militância visando aprimorar suas formas de luta em diversos contextos que permeiam suas relações sociais na tentativa de fazer frente às violações de direitos.
Para contribuir com o debate, o projeto “Sementes da Proteção: defendendo vidas “executado em Minas Gerais pelo Instituto DH, realizará no dia 23 de fevereiro de 2022, quarta-feira, às 19h, via plataforma Meet, a segunda oficina com o tema “Direitos Humanos: redes de proteção popular em tempos de crise”.
A proposta da atividade é abordar os desafios das lutas de defensores de direitos humanosem suas respectivas áreas e como se dá a atuação em rede neste momento de aumento das ameaças e criminalização de pessoas e grupos que atuam na defesa dos Direitos Humanos.
Participarão do evento, defensoras incluídas no Programa de Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG) e especialistas ligadas a quatro frentes temáticas que, normalmente, demandam mais políticas de proteção da sociedade civil e do Estado. São elas:
Ana Carla Carvalho Cota: Engenheira e atua em defesa dos atingidos por barragens de mineração. Defensora atendida pelo PPDDH-MG.
Maria Alves: Especialista em educação no campo, atua em defesa dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais Quilombolas. É Quilombola, Agricultora Familiar, Diretora de Políticas Sociais e Previdência da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG). Defensora atendida pelo PPDDH-MG.
Célia Patáxo : Cacica Angorô na Aldeia Katuramã, povo Pataxó Hã Hã Hãe. Atua em defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais Indígenas. Defensora atendida pelo PPDDH-MG.
Carla Anunciatta: Presidenta do Conselho Municipal de Saúde de BH – CMSBH; Psicóloga Sanitarista (UFMG); usuária do SUS-BH, militante em defesa do Controle Social e da Saúde Pública, e defensora atendida pelo PPDDH-MG.
Márcia Mansur: professora, psicóloga social e estudiosa sobre redes de proteção.
PROGRAMAÇÃO DO EVENTO
19h
Recepção aos participantes
19h10
Dinâmica interativa (Mística)
19h15
Sementes de Proteção: articulações em rede
19h25
Apresentação Instituto DH/PPDDH-MG e objetivos da atividade
19h30
Relato de experiência: Maria Alves (Povos Quilombolas)
19h40
Relato de experiencia: Ana Carvalho Cota (Mineração)
19h50
Relato de experiência: Célia Pataxó (Cacica Angohô/Povos Indígenas)
20h
Relato de experiência: Carla Anunciatta (Direito à Saúde)
20h10
Relato de experiência: Márcia Mansur (Professora universitária, psicóloga social e estudiosa sobre redes de proteção)
20h20
Plenário final / Considerações finais / Agradecimentos
SOBRE O INSTITUTO DH E PPDDH/MG
O Instituto DH é uma organização do terceiro setor responsável pela execução do Programa de Defensores de Direitos Humanos em Minas Gerais (PPDDH-MG) e atua no atendimento e acompanhamento de casos de risco e de ameaças a defensores/as, bem como de violações de direitos humanos em todo o Estado. O PPDDH é uma política pública prevista em decreto estadual e federal estabelecido pela Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH).
SOBRE O PROJETO SEMENTES DE PROTEÇÃO
O projeto “Sementes da Proteção” visa fazer frente às violações dos direitos humanos que foram intensificadas nos últimos anos. A ideia é reorganizar lideranças e movimentos constituídos coletivamente para traçar estratégias de proteção popular dos/as defensores/as engajados/as na luta pelos direitos humanos.
O Instituto DH – Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania em parceria com diversas entidades estaduais é o responsável pela execução das atividades do projeto Sementes de Proteção: defendendo vidas em Minas Gerais.
PÚBLICO E INSCRIÇÃO:
A Oficina Estadual Virtual de Minas Gerais do projeto Sementes de Proteção: defendendo vidas é aberta ao grande público, em especial, aos/as defensores/as de direitos humanos do Estado, assim como representantes de grupos, movimentos, coletivos, entidades e organizações da sociedade civil e do poder público que atuam em prol dos Direitos Humanos e que desenvolvem ações articuladas com diversas redes de proteção. Convide a sua rede de apoio!
Capa do Livro “Cárcere e Direitos Humanos – Reflexões sobre o sistema de justiça criminal”
Já está disponível para leitura a obra “Cárcere e Direitos Humanos – Reflexões sobre o sistema de justiça criminal”. A publicação é composta por quatro trabalhos vencedores do Concurso de Monografias – Direitos Humanos e Justiça Criminal: Enfrentando o Encarceramento em Massa no Brasil.
Com o apoio financeiro do Fundo Brasil de Direitos Humanos, por meio do Edital 01/2017, o livro é organizado por Carolyne Barros, Thays Costa e professora Vanessa Barros, que também assina a coordenação. O projeto conta com a parceria entre o Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o Instituto DH: pesquisa, promoção e intervenção em direitos humanos e cidadania.
A ideia é dar visibilidade às situações de cumprimento da pena privada de liberdade e seus impactos na sociedade, e fomentar estudos e pesquisas sobre a realidade prisional no Brasil a fim de contribuir para a construção de políticas de desencarceramento.
O Instituto DH – Promoção, Pesquisa e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania por meio do Programa de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH/MG) vem por meio desta nota manifestar repúdio ao prefeito Wender Luciano de Araújo Silva (MDB), de Gurinhatã, no Triângulo Mineiro/MG, pelo comportamento deselegante, desrespeitoso e incompatível com o cargo que ocupa como representante da população do município, depois de agredir verbalmente, na tarde de quarta-feira, 24 de novembro de 2021, na sede da prefeitura, a equipe técnica do PPDDH/MG e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
No uso de suas atribuições regimentais, a equipe do PPDDH/MG e da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, agendou uma reunião com o prefeito para tratar de questões ligadas às políticas de assistência social e de saúde para os trabalhadores e moradores do acampamento Arco-íris. Na chegada da equipe, o prefeito Wender Luciano (MDB) se apresentou exaltado, recusando-se a receber os representantes do acampamento e limitou o número de pessoas da equipe do PPDDH e da ALMG. Ele aumentou o tom de voz e respondeu aos profissionais de forma arrogante e autoritária, demonstrando total falta de respeito com a equipe e com as instituições por eles representadas.
Como já citado, a reunião tinha como objetivo discutir ações imediatas no que tange ao atendimento das demandas dos acampados do Arco-íris, que vivem na faixa de domínio entre a fazenda Jacuba/Arco-íris e a rodovia MG 461 (km 7 e 8), de responsabilidade do Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG).
O proprietário da fazenda tem intensificado as ações de intimidação. Nos dias 14 e 15 de novembro, por exemplo, os acampados foram envenenados com pesticidas agrícolas que foram aplicados bem próximo ao acampamento, conforme amplamente noticiado pelo Instituto DH. Dois moradores foram conduzidos ao hospital com fortes reações alérgicas e muitos tiveram reações menos graves. Mais de 60 famílias, entre crianças e adultos, vivem no Acampamento Arco-íris.
A coordenação do PPDDH, assim com a diretoria do Instituto DH, repudia veementemente a atitude do prefeito Wender Luciano (MDB), reiterando que o diálogo possa prevalecer na mediação de conflitos que envolvem a violação de direitos humanos, como no caso do acampamento Arco-íris e tantos outros grupos vitimados pela inércia e descompromisso de todos os responsáveis pela efetivação de políticas públicas, direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988. Todos os órgãos competentes envolvidos serão oficializados em relação à atitude arbitrária e hostil do referido prefeito no acolhimento dado à equipe do PPDDH e da ALMG.
O Instituto DH e a equipe técnica do PPDDH/MG continuarão a acompanhar os desdobramentos do caso do acampamento Arco-íris, temendo ações mais violentas caso as autoridades locais não se responsabilizem na resolução das graves violações de direitos dos trabalhadores e acampados que lutam há 13 anos pelo direito à terra e moradia.
Assinam esta nota de repúdio:
Diretoria do Instituto DH – Pesquisa, Promoção e Intervenção em Direitos e Cidadania
Coordenação do Programa de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (PPDDH-MG)